sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Entrevista sobre mentira e mentirosos

Entrevista concedida a repórter Francine Moreno do jornal Diário da Região para falar sobre a Mentira.
O que é a mentira?
Em termos técnicos, a mentira têm o efeito de alterar o controle de estímulos sobre o comportamento verbal do ouvinte, fazendo o ouvinte distorcer a “realidade”. Neste sentido, o falante pode mentir devido a condições aversivas, pode não querer estar em uma situação, por estar coagido e por isso mentir pode ser mais adaptado a situação ou a função deste comportamento frequentemente é produzir atenção, aprovação ou simpatia de outrem. Além disso, ele pode ter uma história muito forte de punição. Mentir é uma fuga/esquiva muito comum e se você aprendeu a mentir é porque seus pais não foram bons punidores ou controladores, ou seja, deram brecha para este comportamento. Ainda bem. Caso contrário você teria sérios problemas sociais. Às vezes para dar uma desculpa no trabalho ou até mesmo para fugir de um programa furado. Podemos chamar isso de “mentiras sociais”. Elas servem até para harmonizar as relações do dia a dia. Todos devem ter um amigo, um chefe, conhecido ou irmão que tem a arte da estória, a arte da mentira. Aquele que consegue sorratear de maneira magnífica até os mais competentes investigadores, de uma maneira dramática e bastante convincente. Todavia, o mau hábito de mentir pode trazer conseqüências aversivas a curto e longo prazo. É o caso dos “mentirosos compulsivos” que mentem tanto que acreditam nas próprias invenções.

Qual é a diferença entre mentiroso patológico e o compulsivo?
Na verdade o termo “mentiroso compulsivo” é alcunhado a um grupo de pessoas que se inserem em grupo maior chamado de “mentiroso patológico”.
Existem mentiras que são consideradas inocentes, como aquelas que servem para driblar uma saia justa, e até necessárias, como quando o médico esconde do paciente terminal seu real estado de saúde. Há também os mentirosos profissionais, que mentem para obter ganhos. É o caso do político desonesto e do estelionatário. Eles mentem com freqüência e são bons nisso; dificilmente são pegos. Mas nenhum dos casos acima é considerado patológico. A mentira é parte de uma doença quando não é "voluntária". É aí que está a diferença. O mentiroso compulsivo não consegue controlar a vontade de mentir. Ele mente sobre praticamente tudo, inclusive coisas pequenas. Não há ganho na sua mentira – ela é simplesmente irresistível. Muitas vezes, ele nem se preocupa em “esconder” as provas que depõem contra ele. Enquanto na mentira comum há um objetivo, um propósito de enganar para obter vantagem, na mentira patológica não há. O mentiroso patológico é pouco reflexivo, muito superficial e imprevidente. Ao contrário do mentiroso normal que, astuto e vivo, é diligente e acurado na sua trama mentirosa. O mentiroso comum calcula o perigo que corre, prevê as contestações, prepara contra-resposta, ao passo que o mentiroso patológico vai mentindo e dando asas à fantasia sem se preocupar em aprofundar e julgar o que diz, não se dando conta de que muitas vezes está caindo no ridículo.
No cinema, o mentiroso compulsivo foi retratado em Letcher Reede, o personagem de Jim Carrey em O Mentiroso.

De maneira geral, a mentira tem causa?
Ela tem causa na história de vida de um indivíduo. Um filho pode aprender a mentir como forma de evitar algum tipo de punição de sua mãe muito severa e rígida. Ou seja, em algumas relações as pessoas pedem a verdade, mas quando são ditas elas punem seus interlocutores. Uma vez atendi um indivíduo extremamente inseguro e controlador que embriagou a namorada e que começou a fazer perguntas a namorada sobre seus namorados anteriores. E disse a ela que se contasse sobre suas aventuras sexuais nada aconteceria. Quando ela disse que teve relações sexuais com um número razoável de pessoas o namorado largou dela. Ou seja, as pessoas nem sempre estão preparadas para ouvir a verdade. Como disse L. Dumur: “Os homens não querem a verdade; querem, apenas, que se lhes disfarce a mentira.” Por isso muitas pessoas aprendem a mentir.

A mentira chega a ser, em certos casos, necessária para o convívio social, para preservar a privacidade ou os vínculos afetivos? Mentir torna a vida mais fácil?Mentir é necessário em alguns contextos. Mentir para se livrar de alguns convites com pessoas “chatas” pode ser uma boa estratégia. Um vendedor precisa muitas vezes omitir e mentir para valorizar seu produto. O que se observa e o que as pesquisas revelam é quanto mais você interage com as pessoas, mais você mente. O problema da mentira é quando ela é muito intensa e freqüente. Ou seja, quando não é contextualizada. Imagine, por exemplo, aquele indivíduo que mente em casa, com os amigos, no trabalho... Pode ter certeza que ele terá consequências aversivas a curto, médio e longo prazo.

Platão estava correto na informação: "Mentir de forma consciente e voluntária tem mais valor do que dizer a verdade de forma involuntária?
O que Platão estava dizendo é que falar a verdade pode produzir conseqüências aversivas sociais. Imagine uma pessoa ao seu redor que fala tudo o que pensa e perceba os danos que ela produz em seu grupo social. Todavia, mentir em algumas situações pode trazer ganhos ou evitar perdas. Por exemplo, podemos falar que estamos bem quando chegamos no emprego mesmo estando mal disposto. Isso não se trata de uma questão moral, mas de como as pessoas se relacionam e funcionam.

Pessoas costumam mentir com facilidade quando o objetivo é criar uma imagem positiva de si?
Se pensarmos que a população brasileira em geral tem uma baixo auto-estima podemos dizer que para compensar muitas pessoas fazem uso do artifício da boa imagem o que seria uma forma de auto-afirmação. Esperar aprovação constantemente dos outros para aquilo que dizem ou fazem é sinal de baixa auto-estima. Muitas vezes tais indivíduos não sabem do que gostam e buscam satisfazer o gosto de outros à espera de um elogio ou coisa que o valha. Daí uma forma de fuga/esquiva ineficaz e muito comum são comportamentos com a função de se auto-afirmar. Uma mulher pode, por exemplo, dizer que comprou um perfume na França mesmo tendo comprado em um mercado alternativo. Outro indivíduo vai compensar sua pequena visão de si dizendo ou ostententando que ficou com várias mulheres. Como o executivo com o dinheiro invisível, o político com as promessas não cumpríveis, este desejo de estar uma escala maior, de ser o que se espera de si mesmo e do mundo e não estar preocupado com o fato, o mentiroso se torna um ilusionista cativando a alma de quem o ouvi e deslumbrando os corações de quem o escuta. Em suma, o “pescador” vai sempre pegar o maior peixe e dizer que tem talento de sobra para ser admirado pelos outros.

Sem distinção entre realidade e ficção, a mentira pode levar a patologia?
Tenho uma preocupação com o termo patologia devido a preocupação com os rótulos e suas consequências. Eu poderia dizer que uma pessoa que frequentemente mente nos mais diversos contextos tem consequências aversivas em seu ambiente. Por exemplo, um sujeito que mente muito fica estigmatizado, e perde o valor perante seu grupo social. Em uma empresa dependendo da mentira ela pode perder muito dinheiro e por isso o indivíduo pode ser demitido.

O mitômano se faz passar por quem não é para levar alguma vantagem?
A mitomania é a tendência mais ou menos voluntária e consciente para a mentira de forma a evitar condições aversivas ou levar vantagem. Normalmente, as mentiras dos mitomaníacos estão relacionadas a assuntos específicos, porém podem ser ampliadas e atingir outros assuntos em casos considerados mais graves. Uma menina cujo pai é violento, por exemplo, pode começar a inventar para as colegas como sua relação com o pai é boa e divertida, contando sobre passeios e conversas que nunca existiram. Justamente pelos mitômanos não possuírem consciênciaa plena de suas palavras, os mesmos acabam por iludir os outros em histórias de fins únicos e práticos, com o intuito de suprirem aquilo de que falta em suas vidass.

A "pseudologia fantástica" é uma tentativa de impor as próprias fantasias aos demais para despertar admiração?
A Pseudologia Fantástica é uma tentativa de impor as próprias fantasias aos demais, para despertar admiração. É uma forma de se comportar e que produz atenção e valorização. O indivíduo faz construções fantasiosas e extravagantes centradas sobre o próprio indivíduo e impossíveis, geralmente extensas, que não correspondem à verdade, mas não são absurdas, nas quais só acredita momentaneamente, abandonando-as rapidamente assim que é confrontado com a realidade. Não há finalidade aparente e é proveniente da imaginação, e de uma certa instabilidade no campo do sentimento e da vontade. A pseudologia (algo que é lógico apenas aparentemente) estaria no meio do caminho entre a mentira simples e o delírio. Encontrada em indivíduos mais imaturos, teatrais.

Qual é o melhor tratamento contra a mentira? Um mentiroso pode se regenerar?O melhor tratamento é proporcionar primeiramente o auto conhecimento ao indivíduo sobre seu comportamento, ou seja, quais são os determinantes (pais, irmãos, ambientes) que produziram o comportamento da mentira e com qual função. Por exemplo, para evitar crítica, ser admirado porque mentir era a única forma de receber afeto etc. Depois desta consciência passamos ao segundo passo que é entender quais são os repertórios, o que a pessoa faz de saboroso que produz conseqüências positivas a ela. Se pensarmos que se retirarmos todo comportamento de mentir dele pode deprimir. Por isso é importante desenvolver outros repertórios antes de extinguir o repertórios das mentiras. E por fim extinguir o repertório de mentira a partir de um procedimento de modelação (esculpir) que consiste, a grosso modo, em reforçar relatos verdadeiros e ignorar relatos falsos.
Para um mentiroso se regenerar vai depender do repertório do terapeuta, do quanto o indivíduo quer mudar seu padrão de comportamento pensando aqui nas perdas que vai ter quando parar de mentir, além do histórico de vida desta pessoa. Há casos que o histórico de vida é tão aversivo e este padrão se repete a anos que fica mais difícil mudar.
Francine Moreno é repórter do Diário da Região. O Diário da Região é o maior jornal da região Noroeste do Estado, circula em 96 municípios e tem tiragem diária de 23,5 mil exemplares, com 29 mil exemplares aos domingos.
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Reginaldo do Carmo Aguiar é psicólogo clínico comportamental, analista do comportamento e estudioso das Neurociências.
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